Autores independentes se desdobram para driblar crise e manter produção
Para fazer suas obras chegarem ao leitor, escritores adquirem tiragens inteiras, ajudando a promover os livros; autor do RJ fez até curso para diagramar seu livro por conta própria
Apesar da crise econômica e da falta de apoio editorial e logístico, escritores independentes perseveram vencendo um leão a cada dia para publicar seus livros, nem que para isso seja preciso tirar dinheiro do próprio bolso. Os desafios são imensos, segundo dimensiona o autor André Garcia, de Cabo Frio (RJ), que acaba de lançar seu primeiro livro, Liber IMP. Depois de um ano e meio trabalhando sozinho escrevendo, revisando e diagramando o livro, ele agora se desdobra para fazer seu trabalho chegar ao leitor, uma realidade vivida por milhares de autores independentes no dia a dia da cena cultural no Brasil.
“Em tempos de crise, mais que nunca é um trabalho (e um custo) que ou o próprio autor arca ou o livro simplesmente não será publicado. Publicar o Liber IMP era minha prioridade, então decidi encarar tudo isso sozinho, sem esperar por alguma improvável ajuda”, diz André Garcia.
Com exceção dos ‘medalhões’, como são chamados os escritores já consagrados, autores independentes geralmente têm de comprar uma tiragem do livro. “É exatamente o meu caso”, pontua André. Ele garante que investiu economias de anos a fio para arcar com os custos de produção e impressão da obra. Lançado em julho deste ano, Liber IMP reúne 90 contos cômicos pelos quais o autor revisita cenas do seu dia a dia antes e durante a pandemia de Covid. “É um livro em constante transformação para um mundo em constante transformação”, explica o escritor.
No trabalho quase sempre solo dos escritores independentes, alguns acabam descobrindo outros talentos e habilidades além da literatura. André Garcia, por exemplo, teve de aprender a diagramar. Ele assina sozinho o projeto gráfico do livro e divide os créditos da capa com o jornalista e também escritor Israel Dideoli. Agora, com a primeira tiragem já impressa, o autor se deparou com o desafio de divulgar a obra na internet. Por isso, começou a estudar marketing digital para aprender a promover o livro nas redes sociais. “Mas acabei percebendo que era uma área onde eu poderia trabalhar com meus talentos. Assim eu ganharia dos dois lados: aprendendo marketing com as empresas para aplicar no meu livro e sendo pago para escrever”, conta André.
O romancista russo Máximo Gorky (1868-1936) dizia que “a tarefa da literatura é ajudar o homem a compreender-se a ele mesmo”. A afirmação parece sintetizar bem a experiência de quem publica um livro por conta própria no Brasil. Funcionário público, André Garcia entendeu com a autopublicação que a literatura pode levá-lo para além do balcão da repartição onde trabalhava até se licenciar, há alguns meses. “Também estou começando um blog pra compartilhar minha experiência e dar dicas a quem quer começar a escrever”, projeta o autor independente.
Amor à “arte não comercial”
Para o também escritor independente Frederico Tavares, a perseverança na autopublicação se dá, entre outras razões, pela convicção da importância do que ele chama de “arte não comercial”. Ele compartilha essa consciência com outros autores. Depois de publicar seu primeiro fanzine, Tapete Persa, em 2017, Frederico criou no ano seguinte o próprio selo, Subverso, e o mantém para ajudar outros escritores a publicar seus zines e organizar eventos voltados à arte alternativa.
“Sempre gostei de escrever, mesmo sem ter a intenção de publicar”, compartilha Frederico, também de Cabo Frio. Ele afirma que ama a “arte não comercial” e, por isso, permanece na jornada das produções independentes. Seu trabalho mais recente é o livro Um Ruído Quase Imperceptível, publicado em outubro de 2020.