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Bolsonaro mudou LAI após fraude de assessora de Flávio para driblar pedido

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Um requerimento feito pela reportagem do UOL com base na LAI (Lei de Acesso à Informação) motivou uma articulação para fraudar os registros de controle de ponto de uma ex-assessora do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) na Alerj (Assembleia Legislativa do Rio). No mesmo dia em que a manobra foi concluída, o governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) restringiu por decreto a abrangência da lei, reduzindo a transparência sobre dados e documentos públicos.

No dia 10 de dezembro de 2018, a reportagem solicitou acesso às folhas de ponto de Luiza Souza Paes, uma das ex-assessoras de Flávio Bolsonaro citadas no relatório do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras). As investigações apontam que ela repassou R$ 155,7 mil para Queiroz —mais de 76% de tudo que recebeu como assessora parlamentar. Ela é uma das pessoas investigadas por participação no suposto esquema de rachadinha no gabinete de Flávio —quando funcionários devolvem parte de seus salários para um político.

Segundo as investigações do MP-RJ (Ministério Público do Rio de Janeiro), o servidor da Alerj Matheus Azeredo Coutinho entrou em contato com Luiza para alertar sobre o pedido. Os pontos não tinham sido preenchidos, forte indício de que a ex-assessora era, na verdade, uma funcionária fantasma. A adulteração foi concretizada na manhã de 24 de janeiro, mesma data em que um decreto foi publicado no Diário Oficial da União restringindo o acesso a informações por meio da LAI.

De acordo com esse decreto —que foi revogado parcialmente um mês depois—, um número muito maior de servidores públicos podia classificar documentos e dados como reservados, o que os colocaria sob um sigilo de cinco anos. A medida valia apenas no âmbito federal e deu essa prerrogativa a mais de 2.000 pessoas —incluindo ocupantes de cargos comissionados de livre indicação política. No entanto, abria brecha para que outros entes federativos e poderes adotassem providências similares.

Embora o decreto tenha sido assinado por Hamilton Mourão —que exercia a Presidência durante a viagem de Bolsonaro ao Fórum Econômico Mundial, em Davos, na Suíça—, o próprio vice-presidente declarou à época que a medida foi avalizada por Bolsonaro. “Isso já vinha do governo anterior. O presidente Temer é que não assinou. O presidente Bolsonaro deu luz verde”, disse Mourão.

Essa é a segunda coincidência entre movimentações clandestinas investigadas pelo MP-RJ de pessoas ligadas a Flávio Bolsonaro e atos envolvendo o presidente Jair Bolsonaro. No sábado (20), o UOL mostrou que Bolsonaro se encontrou com Frederick Wassef —advogado de Flávio Bolsonaro no caso da rachadinha até esta manhã— horas depois de a mulher de Fabrício Queiroz receber a resposta de uma proposta feita ao miliciano Adriano Magalhães da Nóbrega, chefe do Escritório do Crime.

Pedido ficou parado com assessor investigado por 8 dias 

Matheus entrou em contato com Luiza no dia 17 de janeiro. Fontes na Alerj confirmam que o requerimento de informação chegou ao Departamento de Legislação de Pessoal —exatamente o setor em que Matheus trabalhava— no fim do expediente do dia anterior. O pedido seguiu parado no setor de Matheus até a tarde de 24 de janeiro. De acordo com as investigações —que resultaram na deflagração da Operação Anjo na última quinta-feira (18)—, foi justamente na manhã deste dia que Luiza foi à Alerj assinar os pontos que estavam em branco, encobrindo assim possíveis evidências de que não trabalhava de fato.

De acordo com conversas em um aplicativo de mensagens apreendidas pelos promotores no celular de Luiza, a articulação para que a suposta fraude fosse consumada teve a participação de duas pessoas de confiança de Flávio Bolsonaro: o próprio Fabrício Queiroz e o advogado Gustavo Botto, que representava Flávio nas investigações da rachadinha naquela ocasião.

Luiza relata ao pai, Fausto Antunes Paes, em uma mensagem de áudio que o contato de Matheus se deu por conta de pedidos de jornalistas. A informação teria sido apurada por Gustavo Botto. Tanto o acesso do advogado ao requerimento quanto a iniciativa de pesquisar informações sobre o cidadão que o fez violam a Lei de Acesso à Informação. O mesmo ocorre no caso de adulteração de informações requisitadas. Segundo a LAI, esse tipo de prática pode ser enquadrada como improbidade administrativa e resultar em punições administrativas.

“Oi pai. O Gustavo me ligou agora. Ele falou que foi levantar a situação, né? A Pequena conversou com ele e esse cara que tá me ligando ele trabalha lá e parece que os jornalistas começaram a perturbar o juízo aí eles foram levantar o meu ponto e parece que tá faltando alguma informação, eu não sei. Parece que é falta de algum ponto que não tá assinado. Aí ele supostamente está querendo ajudar antes de entregar isso pra jornalista. Só que eu não lembro de não ter assinado algum ponto, entendeu?”, disse a ex-assessora.

O MP-RJ apurou ainda que Luiza de fato esteve na Alerj no dia 24 de janeiro, entre 9h28 e 10h28. Registros de sinal de seu aparelho telefônico recolhidos pelos investigadores mostram que ela só realizou ligações nas proximidades da sede da assembleia em três dos 792 dias em que esteve formalmente nomeada como assessora parlamentar.

Temendo que a fraude —classificada como “adulteração de provas” e “crime de obstrução de Justiça— tivesse alguma consequência negativa para a filha, Fausto chegou a questionar Queiroz em 23 de janeiro se era seguro fazer isso. “Muito seguro”, respondeu Queiroz. Fausto então encaminha a mensagem para Luiza.

Além de Luiza, outra ex-assessora foi procurada por Queiroz para tratar da adulteração das folhas de ponto. Trata-se de Alessandra Esteves Marins, chamada de Pequena por ele. Queiroz fala que Luiza está sendo procurada por uma pessoa da Alerj —que seria Matheus— por haver pendências em seus pontos. Alessandra segue como funcionária de Flávio Bolsonaro no Senado.

Alessandra então responde: “O rapaz foi lá conversar comigo. É isso mesmo, ficou uma pendência lá”. Ela também dá o endereço do Departamento de Legislação de Pessoal, onde Luiza teria que ir preencher os pontos. Na Operação Anjo, Queiroz foi preso em um sítio em Atibaia (SP), propriedade de Frederick Wassef. Luiza Souza Paes, Gustavo Botto, Matheus Azeredo Coutinho e Alessandra Esteves Marins foram alvos de mandados de busca e apreensão, e estão proibidos de manter contato com outras testemunhas. Matheus também foi afastado de sua função na Alerj.

Citados na reportagem não se manifestaram

O UOL procurou a Presidência da República para questionar sobre a coincidência de datas entre a edição do decreto que alterava a Lei de Acesso à Informação e o pedido que resultou nas fraudes investigadas pelo MP-RJ, mas não obteve resposta até o momento. O senador Flávio Bolsonaro também foi procurado para comentar a suposta fraude nos pontos da Alerj e a coincidência com a edição do decreto, mas não se manifestou até o momento.

Desde a deflagração da Operação Anjo, Flávio sustenta ser “vítima de um grupo político que tem patrocinado uma verdadeira campanha de difamação” —sem deixar claro quem integraria esse grupo. Ele afirma que “os ataques à sua imagem” têm o objetivo de “recuperar o poder perdido da última eleição”. Também disse que a investigação do MP-RJ “é mais uma peça movimentada no tabuleiro para atacar Bolsonaro”.

Luiza Souza Paes, Gustavo Botto, Matheus Azeredo Coutinho e Alessandra Esteves Marins também não se manifestaram sobre a operação do MP.

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