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Luta armada – Adeus à revolução?

Morre Clemente, o último comandante militar da ALN

Carlos Eugênio Sarmento Coelho da Paz deu o que chama de tiro de misericórdia no presi­den­te da Ultragás e financiador de torturas, Henning Albert Boilensen

Revolucionário desde os 16 anos de idade, ainda secundarista, executou tambémo militante da organização, que queria deixar a guerrilha, Márcio Leite de Toledo

 Registros para a História

 Renato Dias

O último tiro. De misericórdia. Depois da saraivada de balas. Contra o presidente da Ultragás, Henning Albert Boilesen. Um dinamarquês radicado no Brasil que financiava a tortura a presos políticos. Nos anos de chumbo & de ouro. Quem apertou o gatilho? Ele: Carlos Eugênio Sarmento Coelho da Paz. O último comandante militar da ALN. A Ação Libertadora Na­cio­nal. Uma organização de extrema-esquerda. Fundada pelo carbonário baiano, filho de um italiano de olhos azuis e de uma negra, neta de escravos, da etnia Haussá, Carlos Marighella, que ado­tou a estratégia de luta armada contra a ditadura civil e militar. Sob a inspiração na revo­lução de 1º de janeiro de 1959, em Cuba, e nas ideias de Régis Debray, autor do seminal ‘Revo­lução na Revolução’. Uma fagulha que incendiaria a seca pradaria. O ex-guerrilheiro morreu, dia 29 de junho de 2019, em Ribeirão Preto, Estado de São Paulo. De câncer de garganta e com pro­ble­mas cardiovasculares. O corpo foi velado, dia 30, no Memorial Bom Pastor. À Avenida das Lá­grimas, número 600, Sala 8, Ribeirão Preto. A cerimônia de cremação ocorreu às 13h. Com 30 minutos de adeus ao revolucionário marxista. Local: Crematório Ecológico, instalado à Ro­do­­via Cândido Portinari, Km 321, próximo ao estabelecimento Clube Regatas. Nascido em Ma­ceió, Alagoas, 23 de julho de 1950, morreu aos 69 anos de idade. Enterro sob forte comoção.

Reprodução.

A sua aventura revolucionária iniciou-se aos 16 anos de idade. Secundarista. No Colégio Pedro II. Ano: 1966. Dois anos depois do golpe de Estado civil e militar de 1º e 2 de abril de 1964. Operação civil [Fiesp, CNBB, OAB, ABI, PIB do Brasil], militar [Exército, Marinha, Aeronáutica, Força Pública Militar], midiática [Conglomerados de comunicação, monopólios de mídia], jurídica [STF], institucional [Congresso Nacional] e internacional, com a ativa participação dos Estados Unidos, com Lyndon B. Johnson,  Inglaterra e França, que depôs o presidente da República, João Belchior Marques Goulart. Latifundiário. Um ex-ministro do Trabalho de Getúlio Vargas, rotulado de ‘O Pai dos Pobres’. Apesar de ter decretado o Estado Novo. Longe de ser comunista, Jango, cunhado de Leonel Brizola, era, sim,  um nacional-estatista. Mais: em sua versão trabalhista.  Com raízes em São Borja, Rio Grande do Sul.  ‘Clemente’ foi o ‘codinome’ de Carlos Eugênio Sarmento Coelho da Paz. Ele serviu o Exército Brasileiro [EB], hegemônico nas Forças Armadas, no tradicional Forte de Copacabana. A sua ideia estratégica era receber treinamento militar e aprender as múltiplas operações de contraguerrilha. Exímio atirador,  chegou a ser condecorado na caserna. Carlos Marighella morre em 4 de novembro de 1969. Joaquim Câmara Ferreira, ‘Toledo’, ‘Velho’, é assassinado no dia 23 de outubro: 1970.

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A captura do general

O revolucionário tentou capturar, ato revolucionário, o que não é sinônimo de sequestro, que se trata de um ‘crime comum’, como conceitua o historiador e escritor gauche renovado Da­niel Aarão Reis Filho, doutor em História Contemporânea, da Universidade Federal Fluminense [UFF], o comandante do II Exército, general Humberto de Souza Mello. A operação acabou sem captura, presos, mortos ou feridos. Os guerrilheiros cercaram o oficial e a sua família. Com armas nas mãos. De grosso calibre. Em uma igreja na Vila Mariana. Em São Paulo, ca­pital. Agentes da repressão política e militar cercaram, em seguida, os revolucionários. O militar, com sangue frio, sugeriu a retirada de todos. Para evitar um morticínio. O que ocorreu. O que mancha a sua biografia política seria a execução, o que ele classificaria como ‘justiça­men­to revolucionário’, de Márcio Leite de Toledo, militante da ALN, que decidira depor as armas, em autocrítica da guerrilha urbana. Ao lado de Paulo de Tarso Celestino, advogado gra­duado na UNB, com treinamento em Cuba, nascido em Goiás, filho do ex-presidente do TCE Pedro Celestino, e de Zuleika Celestino, e de mais quatro ativistas e defensores do ‘minimanual do guerrilheiro urbano’, formulado por Carlos Marighella, matou o companheiro. Triste dia 23 de março de 1971. À Rua Caçapava, número 45, em São Paulo. Palco da guerrilha urbana no País.

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Como a revolução faltou ao encontro, no Brasil, um País de dimensões continentais, Carlos Eugênio Sarmento Coelho da Paz fugiu para o Chile, depois para a Europa e rejeitou projetos revolucionários. Como o de Arnaldo Ochoa, cubano.  A sua mãe Maria da Conceição foi presa e torturada. Com a anistia, retornou ao Brasil. A Comissão de Anistia do Ministério da Justiça o anistiou. No ano de 2010. O relator do seu caso é Egmar José de Oliveira, de Goiás, advogado e ex-vice-presidente da instância. Uma das medidas da tardia e incompleta Justiça de Transição, no Brasil. Bem distante dos modelos adotados na Argentina e no Chile, Cone Sul; de Portugal, Itália, Grécia, Europa, Velho Mundo; além da África do Sul, com Nelson Mandela, preso político durante 27 anos do Apartheid, regime de segregação racial. Autor dos livros Viagem à Luta Armada [1996], Editora Civilização Brasileira, e Nas Trilhas da ALN [1997], Editora Record. A sua companheira Ana Maria Nacinovic Correia foi executada extrajudicialmente. A sangue frio. Músico, ele casou-se com Maria Claudia Badan Ribeiro, doutora, autor de livro sobre a participação das mulheres na ALN e na luta armada no Brasil contra os civis e militares no poder. Uma noite que durou 21 anos, como apontam Flávio Tavares e Camilo Tavares. O filme documentário ‘Codinome Clemente’, de Isa Albuquerque, foi exibido no Festival de Cinema Brasileiro de Paris, França, Europa, em 2019. A produção cinematográfica é inédita no Brasil.

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