Mais amor à língua de Machado de Assis, jente!
Esta semana foi marcada por algumas discussões que poderiam ser, vá lá, desnecessárias. Pois acho que a vida é muito curta para se perder tempo com bugigangas intelectuais. Estou a falar da lei sancionada pelo governador Ronaldo Caiado e de autoria do então deputado estadual Fred Rodrigues.
A lei supracitada refere-se a um trabalho de conscientização num dos momentos mais difíceis pruma mulher: momento dum aborto. Vale lembrar que estamos a falar do aborto legal, naquelas situações em que a lei brasileira permite.
A lei 22.537 — em seu artigo terceiro, inciso sexto — diz que o estado deve garantir (atenção para esse verbo!) às mulheres o exame de ultrassom para ouvir os batimentos cardíacos do nascituro. Uma interpretação trivial e lacônica dessas linhas já é compreensível que não há nenhuma obrigação para a realização do exame. Em síntese, todos nós somos capazes de entender que o verbo “garantir” é mui diferente de “obrigar”, não? Ora essa, então por que há tantos colegas da imprensa entendendo praticamente o oposto do que diz a lei? Quero acreditar que não seja má-fé. E se for dificuldade de interpretação, pega muito mal para nossa categoria, pois nós trabalhamos, como se sabe, com as palavras, portanto devemos ter uma relação agradável com elas.
Jornais de Goiás e doutros estados noticiaram que essa lei obriga a realização do exame. É mentira, não obriga coisa nenhuma. O projeto tem duas laudas e uma linguagem simples e objetiva, não, portanto, justifica-se qualquer desculpa de “não tive tempo de ler os pormenores dessa lei”.
O parlamentar foi criticado por todos os lados, da imprensa e de pessoas da área do direito, injustamente criticado. Pode haver ali naquela lei algo que possa receber críticas e ponderações? Claro que sim, mas, definitivamente, não essa maluquice, com a devida vênia, de que a lei “obriga”. Abaixo transcrevo o inciso “polêmico”.
“Garantir que o Estado forneça, assim que possível, o exame de ultrassom
contendo os batimentos cardíacos do nascituro para a mãe”.
Carrego comigo um axioma desde os bancos da faculdade de jornalismo, a saber, “se não tem certeza, não publique”. E vê bem, isso não me coloca como superior no tocante ao jornalismo. Apenas uso-o como estratagema para não cair nas pegadinhas da língua portuguesa, rica, bela e, muita vez, difícil de usá-la.
O “jente” lá do título foi proposital para provocar o debate, hein?!
(Thyago Humberto, jornalista)