Artigo

VIDAS X ECONOMIA

 

Por Túlio Queiroz 

O Jair de Brasília tem colocado em rede nacional um dilema ético diante dessa que pode ser uma das maiores crises que já enfrentamos: O que é mais importante? Vidas ou Economia? E a resposta é muito simples: uma não é mais importante que a outra. São dimensões que não se separam. A não ser que você tenha uma visão super limitada que reduz a economia a números que se materializam sozinhos, esse é um falso problema.

Artigos relacionados

A seu favor, o ex-atleta que temporariamente reside no palácio do planalto (parece óbvio, mas para ele não é), insiste que tempos de recessão matam muito mais do que o potencial lesivo da COVID 19, doença provocada pelo SARS-COV-2. Dessa forma, ele alimenta o falso problema apostando alto em uma solução que vai na contramão do resto mundo. Mesmo países que, em um primeiro momento, insistiram em não tomar medidas severas contra a disseminação do vírus, já tiveram que voltar atrás e hoje estão sofrendo os efeitos dessas escolhas, como é o caso de Itália e Espanha, ou ainda sofrerão segundo suas próprias estimativas, como é o caso de EUA e Reino Unido.

Mesmo assim, vamos considerar o dilema posto por ele. Seria verdade que tempos de recessão são mais letais que uma doença como a COVID 19 que, por enquanto, encontra em uma taxa de mortalidade entre 2% / 3% (embora os dados sejam muito imprecisos devido a incapacidade de muitos países, como o Brasil, de realizar testes em massa).

Segundo o estudo mais recente sobre o assunto, não é bem assim. Se trata da pesquisa publicada pela The Lancet Global Health, em novembro de 2019, que conta com a participação de 7 pesquisadores, entre eles, 3 são brasileiros. Segue o título: E Effect of economic recession and impact of health and social protection expenditures on adult mortality: a longitudinal analysis of 5565 Brazilian municipalities.

Segundo o estudo, em países de alta renda a tendência é justamente oposta ao que o presidente tem alardeado. Ou seja, em períodos de recessão a mortalidade cai. Porém, no Brasil, que é objeto de estudo, a mortalidade entre os anos de 2012 e 2017, período em que passamos por uma recessão econômica, houve um aumento da mortalidade. Então, ponto para o Jair? Não é bem isso que também mostram as análises do estudo.

Isso se deve ao fato de que em países de alta renda, em geral, o estado possui mais condições de oferecer suporte à situação de vulnerabilidade de seus trabalhadores e da estrutura produtiva em geral. Portanto, é fundamental que mesmo em dificuldades financeiras extremas as pessoas tenham acesso à saúde e alimentação, pelo menos. Em resumo, o Estado cumpre um papel essencial nesse quadro de estabilidade. Do contrário, em casos de recessão em que o Estado retira recursos em políticas que possam estabelecer um colchão social para sua população, a mortalidade pode sim acompanhar uma tendência de crescimento.

Voltando a realidade, as medidas de controle e isolamento populacional, apoiadas por corpos técnicos de saúde e economistas no Brasil e do mundo todo, no combate ao COVID 19, apontam para uma mesma direção: caso o sistema de saúde entre em colapso devido ao surto endêmico, os resultados econômicos seriam, aí sim, catastróficos. Por isso que uma obviedade entra em cena: o que o Governo deve fazer então? Estimular a economia já em frangalhos? Ou conter o avanço da doença? Porque não… OS DOIS? E é justamente isso que especialistas, médicos, economistas, Governadores, prefeitos, etc., estão cobrando do Governo Federal, pois é ele que tem o poder pra isso. Ele que tem, literalmente, a chave do cofre da União. E que nesse momento não é hora de pensar em uma política fiscal contracionista. A dívida pública deve estar à serviço do combate a esse desafio que nos foi imposto.

Portanto, além do isolamento horizontal recomendado para a fase que o Brasil se encontra do avanço do contágio, uma série de outras propostas estão sendo debatidas no sentido de atender os trabalhadores, autônomos, pequenos e médios empresários. Gerenciar os recursos necessários para isso não é o problema. O problema tem sido justamente a vontade política do Jair de Brasília e sua equipe.

É um assunto muito complexo, porém, felizmente, informação e tempo não faltarão para entendermos minimamente o que está acontecendo. Por isso esse grupo político que está no poder aposta fortemente na falsa informação e informação de baixa qualidade. É só ver as diversas tentativas de pegar notícias antigas sobre o assunto do Corona vírus e publicar como se pudesse explicar o que tá acontecendo hoje. Ricardo Salles fez isso com um vídeo de Janeiro de Drauzio Varella, Eduardo Bolsonaro fez isso com uma matéria de fevereiro do El País falando da postura da Itália em não isolar sua população (e hoje colhe os frutos disso), além de outras notícias que são espalhadas por seus séquitos, afirmando que a COVID 19 mata menos que o H1N1 e outras doenças, o que é FALSO e já tem, inclusive, checagem de fatos sobre isso.

Não podemos nos enganar. Jair vai tentar criar fato político a seu favor independente dos resultados dessa crise. Se der certo: eu avisei que não era pra tanto! Se o quadro se agravar (o que é bem possível no momento): eu avisei que isolamento não ia adiantar e agora acabaram com a economia! Mas é importante lembrar que essa aposta subestima a inteligência das pessoas que há mais de 1 ano assistem apavoradas as trapalhadas de seu governo.

Existe um negócio que se chama realidade. Por mais esquiva e exigente que ela seja para ser compreendida, ela existe e é dura o suficiente para nos fazer senti-la. Bolsonaro não só tem dificuldade de observá-la como também tenta manipula-la a todo custo. Uma hora ela se torna incontornável para ele. E parece que esse momento não está tão longe.

Artigos relacionados

Botão Voltar ao topo